25 de Abril de 2011
Através da comunidade Warmshowers consegui um anfitrião na cidade de Aljaraque, mesmo ao lado de Huelva. Por isso parto de Sevilha, com a certeza de que finalmente vou ficar em casa de locais e poder partilhar as minhas aventuras.
O dia de hoje tinha reservado uma surpresa, de ordem climática: nevoeiro. Já tinha enfrentado dias de sol muito quentes; chuva e vento forte; granizo…e agora pedalava pelo nevoeiro adentro.
Por causa da má visibilidade, ligo a luz traseira. Não é muito forte mas deve ser o suficiente para os automóveis não me acertarem.
Com mais uma mudança no clima lembro-me de um aspecto curioso neste, quase a completar, um mês de viagem: NUNCA TIVE DOENTE!
Eu sei que não é assim um período tão longo, mas se tivermos em conta, por exemplo, as condições climatéricas que tenho enfrentado nos últimos dias – chuvas fortes que faz com que por vezes não consiga manter a roupa e calçado secos durante todo o dia – é algo espantoso.
Julgo vivermos numa sociedade cada vez mais “hipocondríaca”, onde a auto-medicação é uma prática tomada como normal e muitas das vezes com leviandade, ou ao mínimo sintoma vamos a correr para a mais próxima farmácia ou hospital. E se falarmos então das crianças, o caso torna-se ainda mais grave. Na Holanda as crianças, desde os seus primeiros meses de vida, viajam com os seus pais na bicicleta, quer faça sol ou chuva, quer faça calor ou frio; e no final, no geral, os holandeses raramente estão doentes e quando o estão, ficam em casa a repousar e a ida ao hospital é só considerada em último caso.
Não sei se o meu caso é sorte, mas a verdade é que dizem que para garantir um bom sistema imunitário para proteger o nosso organismo de agentes invasores e prejudiciais, é importante termos hábitos alimentares saudáveis: SIM; actividade física regular: 1600km no último mês; exposição ao meio ambiente que nos rodeia: 2/3 dos meus dias são passados ao ar livre. Bem vistas as coisas…acho que não é sorte :).
Mas voltemos ao dia de hoje. O nevoeiro entretanto esfumou-se e deu lugar ao sol, apesar de um céu algo nublado. Está um dia calmo na estrada, com poucos carros e poucas pessoas na rua ou nos campos agrícolas.
Passo por uma localidade cujo nome não fixei.
O que ficou fixado na minha memória foram umas muralhas que se erguiam mesmo no centro da localidade. Algumas partes da muralha já não existiam, dando uma outra sensação de estarmos realmente, perante uma construção muito antiga que o passar dos anos não conseguir por completo, destruir.
Estou quase a chegar a Huelva quando passo uma enorme unidade industrial. Pelo que consigo ver da estrada, é uma fábrica de transformação de madeira. Enormes montes do que eu julgo ser serrim, amontoam-se uns atrás dos outros. A empresa chama-se Ence e dedica-se à produção de celulose e energia conseguida da biomassa cultivada. A Ence gera uma área total de cerca de 116 mil hectares de florestas espalhadas por Espanha, Portugal e Uruguai. Para aqueles que estão a pensar: “Chiça. Isso é muita floresta!”, não se pensarmos que a floresta da Amazónia tem uma área de 5,5 milhões de km² :|.
Pouco depois chego a Huelva onde também chegaram as nuvens muito cinzentas.O meu anfitrião está disponível a partir das 17h, por isso vou parar para almoçar e descansar um pouco depois de já ter pedalado cerca de 90km. “Que máquina”.
Depois do almoço e como ainda estamos longe da hora, vou até a um café mesmo ao lado do cais portuário. Estou tão perto que do lugar de onde estou sentado, consigo ver com clareza, a operação de descarga de um navio de carga. Ver aquela grua gigante fixa ao solo, a manusear os enormes contentores como se fossem de papel, é impressionante. Peço um café e relaxo. Entretanto começa a chover.
O tempo passa e rápido e já é perto das 17h. Vou telefonar ao meu anfitrião, o José. A casa do José fica em Aljaraque, uma cidade a cerca de 10km do centro de Huelva e para chegar lá, tenho que atravessar uma ponte. Do lado de lá, o José espera por mim, numa loja Leroy Merlin.
Feitas as apresentações rápidas, porque a chuva está cada vez mais forte, ele dá-me as indicações para chegar até casa dele. O José e a sua família moram numa casa de um andar, bem no meio do nada. Uma estrada em terra atravessa uns campos e termina na mini-quinta do José, da sua mulher que está grávida de 12 semanas e do filho de 2 anos. Sou recebido de uma forma extraordinária: não me sinto um estranho que mal acabou de entrar na casa deles. São pessoas simples e sinto-me completamente à vontade e muito bem vindo ao seio daquela família.
José é meio espanhol e meio inglês, fruto de uma relação entre um espanhol e uma mulher de terras de sua Majestade. A sua mulher é 100% British. Ele depois de estudar Engenharia Informática (que grande coincidência), chegou a um ponto dos estudos que se apercebeu que não estava a seguir o caminho que mais lhe agradava e decidiu mudar o rumo. Emigrou para a Espanha e do nada, entrou para a indústria do morango. Hoje trabalha para uma empresa americana, produtora e distribuidora de morangos, com presença nos quatro cantos do mundo.
Com a chegada em breve de mais um elemento à família, José está a fazer algumas obras em casa e por isso não tem nenhuma divisão para eu poder dormir. E como chove, não dá muito jeito montar a minha tenda no enorme quintal. A solução? O José, como fantástico anfitrião que é, falou com um vizinho que no seu terreno tem uma casa de campo, onde tem uma cama e uma casa-de-banho, para ver se era possível eu ficar lá por uma noite. Sorte a minha que o vizinho gosta muito de Portugal e dos portugueses e foi com muito satisfação que ele deu as chaves da casa ao José.
Depois de tomar um banho, acompanho o José, ao centro de Aljaraque para algumas compras no único supermercado aberto. Mas antes, duas cañas e dois dedos de conversa :).
Já em casa, eles preparam o jantar, enquanto eu tento distrair o pequeno. Todos falamos em inglês o que facilita a comunicação. Jantamos, conversamos, rimos…são momentos únicos vividos com pessoas que me receberam de braços abertos e rapidamente nos tornámos amigos.
Até amanhã.